CRÍTICA: 25 anos sem Tupac
- Leonardo Oberherr
- 22 de set. de 2021
- 8 min de leitura
All Eyez On Me mostra o melhor do rapper norte-americano
Matéria publicada na Beta Redação. Disponível clicando aqui.

Em 13 de setembro, completam-se 25 anos da morte de Tupac Amaru Shakur, cantor que moveu milhões de dólares. Mais importante do que isso, influencia até hoje milhões de pessoas. São mais de 75 milhões de cópias vendidas pelo mundo. Em vida, lançou cinco álbuns, sendo que outros oito saíram após sua morte e, para falar da história de Tupac, é necessário falar do seu principal álbum: All Eyez On Me.
Sem dúvidas, All Eyez On Me é um marco não só na carreira de Tupac, mas também no cenário do RAP mundial. Não à toa, chegou ao topo da Billboard 200 e foi aclamado, em 2010, pela revista Rolling Stone como o 50º melhor álbum dos anos 90. Dois meses depois o lançamento, All Eyez On Me recebeu o certificado cinco vezes platina, chegando aos dez, mais tarde, e finalizando com a condecoração de Diamante. Este é o segundo disco mais vendido da carreira de Pac, atrás apenas de Greatest Hits, lançado pela Interscope Records em 1998, após a morte do rapper.

Lançado em fevereiro de 1996, o álbum com 27 faixas, separadas em dois discos, é o quarto da carreira de 2Pac e o primeiro gravado junto da Death Row Records, um dos maiores selos da história do hip-hop. A DRR foi fundada por Dr. Dre e Suge Knight, sendo o segundo, responsável pelo acerto contratual com o rapper. Para quem não conhece, Knight é tido como um dos maiores produtores da história do RAP, e pagou a fiança milionária de Tupac, que estava na prisão no começo de 1996. Em troca do pagamento de aproximadamente um milhão e meio de dólares, o rapper assinaria com sua gravadora e produziria três álbuns. Neste momento da história, Pac já era um nome de peso dentro do cenário do RAP. Tupac, Dr. Dre e Snoop Dogg formaram um Dream Team que foi visto, pela primeira vez, em “2 of Amerikaz Most Wanted”, sexta faixa do disco um de All Eyez On Me.
Entender o contexto em que Tupac estava em sua vida é fundamental para compreender toda a construção musical da obra. Aos 25 anos, ele foi sentenciado a cumprir pena por abuso sexual, logo após ter sofrido um atentado em que levou cinco tiros. Na prisão, o rapper alcançou o topo da Billboard 200, com o álbum “Me Against the World”. Ou seja, o próximo disco teria que ser um marco. E foi.
Em 27 músicas, não é difícil acreditar que teria de tudo. Músicas mais reflexivas, outras mais sombrias, e até mesmo algumas ameaçadoras e intrigantes. A música, no geral, é uma somatória de experiências e musicalidades vivenciadas pelo artista que a compõe. Em All Eyez On Me, não somente os olhos, mas os ouvidos também estiveram em Tupac. Ele conta sua vida, suas histórias, mas também a de muitas pessoas esquecidas pelo grande público — uma marca de toda sua carreira.

A primeira faixa traz um marco para o RAP mundial. Em Ambitionz Az a Ridah, Pac surge com uma letra pesada, mas que escancara um pouco das suas motivações. “Tantas cicatrizes no campo de batalha enquanto dirijo um carro. Esta vida como uma estrela do rap não é nada sem coração”. Os versos, logo do começo, mostram que Pac estava incomodado, sobretudo com o atentado sofrido meses antes e que quase ceifou sua vida. Na música, ele segue: “Estou pronto pra morrer aqui, hoje à noite, e pra tirar a vida dele também. Foi isso que eles gritaram quando estavam me furando, mas eu sou duro de matar”.
Depois do desabafo, das ameaças e contextualização, chegou a hora de “mostrar as armas”. A faixa 2 traz Snoop Dogg e Nate Dogg em All Bout U. O problema desta música é justamente abordar o assunto que o levou para a prisão, o assédio sexual. Na faixa, ele simula o diálogo com uma mulher que está tentando reconquistar, após ter se envolvido com uma “vadia”. Letras assim eram recorrentes não apenas em suas músicas, mas no RAP como gênero musical. Neste contexto, a repercussão de All Bout U foi positiva.
Tupac sempre escreveu sobre mulheres. Criado somente pela mãe, Afeni Shakur, sua relação com o sexo oposto era conturbada. Na faixa 3, por exemplo, Pac escreve uma letra muito mais carregada de machismo e, talvez por isso, Skandalouz não tenha sido tão apreciada ou memorada pelos fãs. Além do tema, a faixa é pouco melódica e tem uma batida mais dura.
Na faixa cinco do primeiro disco a alegria volta ao ritmo. How Do U Want It tem um beat mais acelerado, um refrão cantado por KC and JoJo of Jodeci lembrando a música black dos anos 70, próxima da disco music. Mas, o tema segue o mesmo: sexo. “Baby, adoro quando você fica exibindo o seu corpo. Agora é hora de dar ele para o papai. E me diga como você vai querer…”.
A sexta faixa é o ápice do disco, talvez nem tanto pela música, mas pelo clipe: 2 of Amerikaz Most Wanted (também conhecida como Gangsta Party) é uma das músicas mais icônicas da história do RAP. A letra não é surpreendente. Ambição, ostentação e demonstração de poder são os principais assuntos. O foco, aqui, além da ótima combinação entre ritmo e música, é o clipe. Nele, há uma cena antes da entrada da música que simula uma conversa entre Notorious BIG e Puff Daddy, que supostamente estariam comemorando o atentado realizado contra Tupac. Embora antes do atentado Biggie Smalls e Tupac fossem amigos, Pac passou a acreditar no envolvimento de BIG no caso pois o tiroteio aconteceu na gravadora em que Notorious estava. Essa cena desencadeou uma série de conflitos entre os dois, representando a rivalidade entre as Costas Oeste e Leste dos Estados Unidos. Seja nas canções, com letras agressivas (que no RAP são conhecidas como diss) como até mesmo violência física entre os fãs dos artistas.
A música, inclusive, foi uma das duas escolhidas para uma performance no Festival Coachella, de 2012, quando a Digital Domain Media Group projetou o holograma em 3D de Pac no palco, que “cantou” com Snoop Dogg e Dr. Dre, mesmo estando morto há 16 anos.
No More Pain é assustadora. A faixa 7 do álbum certamente não é música para dormir. O beat é rápido, com toques de piano que a deixam com um ar sombrio. A canção passa dos seis minutos, sendo que nos últimos 105 segundos não há letra. É só a batida sinistra, com palavras sussurradas. O refrão dá o tom. Embora se fale em sexo e mulheres, a música é sobre a morte: “Eu vim pra trazer a dor, uma dor forte no cérebro. Vamos entrar no meu plano astral”.
A morte é tema recorrente no álbum e aparece na faixa seguinte, Heartz of Men. Mas é em Life Goes On, faixa 9 do álbum, que a morte ganha força, desta vez de forma mais poética. Isso que faz de Pac um dos rappers mais completos: ele transcorre sobre diversos assuntos. Fala de racismo, divisão de renda, fome, morte, defende as mulheres, mas também fala de sua vida bandida, de ostentação e das mulheres de forma pejorativa, machista e agressiva.
Life Goes On é a melhor música do álbum. Melodiosa, com refrão menos agressivo e mais reflexivo: “Tantos irmãos morrendo, vítimas das ruas. Descanse em paz, maninho, há um paraíso para os gangstas. Estaria mentindo, se lhe dissesse que nunca pensei na morte. Mas mano, somos os últimos sobreviventes. A vida continua”. A letra fala de sua relação com Kato, amigo assassinado numa tentativa de assalto, segundo relatos oficiais. Pac reconta algumas experiências que tiveram juntos e tem o mais sensato dos argumentos: a vida continua.
“Mas agora que você se foi E eu estou aqui Pensando “Eu não quero morrer sozinho” Mas agora você se foi Tudo o que ficou foram lembranças horríveis Eu amo esses manos de coração mesmo (…) Enterrem-me sorrindo Com bastante dinheiro no meu bolso Façam uma festa no meu funeral Deixe todos os rappers tocarem”
A vida continua e somente Deus pode julgar. Only God Can Judge Me ajuda a construir a ideia de Pac ao falar sobre a sua vida. Aqui, finalmente vemos o Tupac ativista contra o racismo. “Fui preso desde o nascimento, cauteloso, porque eu estou amaldiçoado. […] E eles dizem que é o homem branco que eu deveria temer. Mas é a minha própria espécie está fazendo a matança aqui”. Além de maioria nas penitenciárias estadunidenses, os negros sofrem com a estrutura racista da sociedade. Ao final do trecho, ele menciona o fato das brigas entre facções e traficantes, predominantemente negros, que causavam a maior parte dos assassinatos nas periferias dos Estados Unidos.
A faixa 11, Tradin War Stories, segue a linha de raciocínio das últimas duas músicas. Conta a realidade na qual vivia por ter crescido em uma vizinhança cheia de drogas e traficantes. Realidade de inúmeras crianças dos Estados Unidos, sobretudo nos anos 90. “Mamãe me mandava ir brincar com os traficantes. Várias drogas, somos bandidos e somos vários”. Sabemos que a triste realidade é recorrente para muitos, mas, no caso de Pac, tem ainda uma curiosidade.
Na juventude, quando a família saiu de Baltimore para morar em Marin City, Shakur pediu permissão para participar do tráfico. O futuro rapper, porém, não conseguia vender. Se negava a negociar com conhecidos, grávidas, crianças e pais de família. Logo, os traficantes decidiram ajudar Pac financeiramente, sem que precisasse vender drogas. Como ele próprio diz: “os traficantes eram como meus patrocinadores”.
A décima segunda faixa traz outra música reconhecida mundialmente: California Love. A música é símbolo do álbum e faz ele estar entre os maiores de todos os tempos, marcando a carreira de Pac. Com participação de Dr. Dre e um videoclipe ao melhor estilo Mad Max, a música tem um propósito claro e muito bem executado: não é refletir, nem acusar, é dançar. É o típico single. Uma música com refrão pegajoso, fácil, que fica na cabeça por dias e apresenta o artista ao público.
Vamos voltar a falar de morte? É o que Tupac faz em I Ain’t Mad at Cha. A música de número 13 retrata um diálogo entre Pac e seu primo. A música só fica mais compreensiva com o clipe. As imagens mostram Shakur em um local como se fosse o céu, enquanto passam flashes do atendimento médico que recebia em uma ambulância e do primo lamentando que o tempo separou os dois. Tem uma melodia mais lenta, orquestrada, abusando dos acordes de piano. Mas é um beat que traz mais calma, lembra os corais de igreja.
A última música do disco, curiosamente, é para voltar a falar de sexo. What’z Ya Phone # tem mais de cinco minutos de música, sendo que os últimos três retratam uma sex call. Resumidamente: é a música mais explícita do álbum quando se trata de sexo.
O primeiro disco de All Eyez On Me é mais relevante do que o segundo, mas este apresenta algumas músicas importantes para a carreira de Pac, principalmente no sentido da melodia. A música que dá nome ao disco, All Eyez On Me está na segunda parte do álbum, assim como Picture Me Rollin, Check Out Time (que conta com a participação de Kurupt), e Ratha Be Ya Nigga (popularmente conhecida como Smoke Weed All Day) e Run tha Streetz.
All Eyez On Me é o principal álbum do maior rapper da história. Nos dois discos, vemos o Tupac carinhoso e ao mesmo tempo odioso. Vemos ele disposto a brigar e a lutar pela paz. Temos o melhor de Tupac Amaru Shakur. No final das contas, para ver todas as facetas de Tupac, em All Eyez On Me, é preciso que, de fato, todos os olhos estejam nele.
“Eu não vou mudar o mundo. Mas vou iluminar a mente dos que vão mudar” — Tupac Amaru Shakur (1971–1996)
Confira a playlist criada por um fã, no Spotify, que remonta o álbum:
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