Mercado de trabalho escasso aumenta casos de empreendedorismo feminino
- Leonardo Oberherr
- 22 de set. de 2021
- 7 min de leitura
De acordo com o último relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) cerca de 16 milhões de mulheres encontram-se à frente de um empreendimento em estágio inicial
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A crise econômica afeta diversos segmentos da nossa sociedade. Seja no supermercado, nos postos de gasolina, ao adquirir produtos eletrônicos, praticamente tudo: inclusive no mercado de trabalho. Com menos vagas, muitas pessoas acabam recorrendo às alternativas, e trabalham informalmente, os famosos “bicos”.
De acordo com o Relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), realizado pela última vez em 2019, “estima-se que haja 53,5 milhões de brasileiros (18–64 anos) à frente de alguma atividade empreendedora, envolvidos na criação de novo empreendimento, consolidando um novo negócio ou realizando esforços para manter um empreendimento já estabelecido”. Segundo o mesmo relatório, aproximadamente 90% dos empreendedores iniciais têm como motivação para empreender a escassez de emprego.
Para o Professor Lucas Henrique da Luz, Doutor em Administração e Mestre em Ciências Sociais, “a grande motivação é a crise, a necessidade. Num país onde a desigualdade impera, esse formato costuma ser recorrente”. O diretor adjunto do Instituto Humanitas, professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, complementa ainda que há falta de políticas públicas para fomentar o empreendedorismo, possibilitando o aumento do risco do negócio, vinculado somente à competência do empreendedor.
No caso das mulheres, muitas empreendedoras surgem por este motivo: Ao verem a renda familiar cair ou perder valor, identificam na alternativa de ter seu próprio negócio uma oportunidade de complementar a renda ou até mesmo serem provedoras. Por isso, de acordo com as estatísticas do relatório, a quantidade de mulheres empreendedoras com negócios em estágio inicial (que oportunizaram retorno financeiro por até 42 meses) é muito semelhante ao de homens no mesmo estágio: aproximadamente 16 milhões de pessoas. No entanto, quando tratamos de empresas estabelecidas (que pagaram salários aos proprietários por mais de 42 meses), o número de homens é de quase três milhões a mais que o de mulheres.
“Independente de ser homem ou mulher, ou um casal de sócios, o empreendedorismo por necessidade enfrenta várias dificuldades. Uma delas é a falta de planejamento, quando o negócio não se sustenta à médio e longo prazo. Muitos empreendedores sofrem muito mais justamente por terem começado assim, às pressas, de qualquer jeito. Nesse sentido, precisaríamos de políticas públicas justamente para possibilitar que esse empreendedor não precise ter retornos de maneira imediata e desesperada, por sobrevivência. Nesse sentido, o apoio ao empreendedor é muito frágil”, comenta o Prof. Dr. Lucas da Luz.

“Essa dificuldade das mulheres não é somente no mercado de trabalho, é uma construção social, que colocou numa lógica patriarcal, as mulheres em nível de desigualdade em relação aos homens em todas as situações, não somente no mercado de trabalho”, aborda o professor.
Segundo o relatório, o número de empreendedores com negócios em estágio inicial é o maior de todo registro histórico, atingindo 23,3 milhões de pessoas, enquanto os negócios consolidados atingiram, em 2019, 16,2 milhões de empreendedores.

A pandemia, porém, influenciou de forma impactante na diminuição do número de negócios próprios. Uma pesquisa divulgada em fevereiro de 2021 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), aponta que no terceiro trimestre de 2020, o total de empreendedores era de aproximadamente 25 milhões de pessoas. Deste total, cerca de 8,6 milhões de empresas eram gerenciadas por mulheres, representando 33,6%. Segundo o mesmo estudo, cerca de 52% das micro e pequenas empresas lideradas por mulheres tiveram que paralizar temporariamente ou definitivamente os negócios. Já em negócios com empreendedores do sexo masculino, o número é inferior: 47% das empresas do mesmo segmento.
Ainda segundo o relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), 71,6% dos empreendedores iniciais não informaram ou não possuem nenhum funcionário ocupado, demonstrando a individualidade das ações da grande maioria dos negócios que ainda não atingiram 3,5 anos de retorno financeiro. Entre os estabelecidos, o número não é muito inferior: 62,5% não informaram ou não possuem nenhuma pessoa ocupada em seu empreendimento.

Em meio às turbulências, diversas iniciativas de empreendedorismo individual feminino têm ganhado espaço na comunidade. Em independentes mercados e cenários, esta tem sido a oportunidade para milhares de mulheres atingirem condições de sustentar sua família. Não é diferente para Caroline Kenne. Mãe e casada, a modelo produz conteúdo sensual desde 2016, como modelo, e desde 2017 como fotógrafa. Financeiramente, ela comenta que “é como um trabalho trabalho autônomo normal, às vezes fatura mais, às vezes menos”. O marido ajuda Carol na produção do conteúdo, inclusive participando de algumas fotos: “Para mim é indiferente a questão da segurança, porque antes do casamento já fazia sozinha. Agora, casada, tenho apenas a ajuda do meu marido para produzir mais conteúdos” — comenta. Kenne, que agora está também presente na plataforma Onlyfans, fala que muitos de seus clientes abordam-na através do Instagram para realizar a compra do conteúdo, e que tudo é bem transparente e tranquilo, mesmo durante a pandemia de Sars-Cov-2:
“Nunca aconteceu de alguma pessoa ser inconveniente. O que normalmente acontece [quando me veem fora da internet] é uma mensagem dizendo que me viu em tal lugar. Eu não tenho problema algum com isso — até porque é meu trabalho — mas sempre sendo tratada com educação e respeito. Trabalho com o público, em rede social, expondo um pouco minha vida, então meio que já aprendi a lidar com isso, mesmo sabendo o quanto é difícil lidar com o ser humano.” — Carol Kenne.
Financeiramente ela comenta que é satisfatório, até porque o investimento é o autocuidado e investimentos em lingeries ou outros pedidos de clientes. O valor dos packs é variável. Contendo vídeos, GIF’s e fotos, sendo com e/ou sem nudez, há conjuntos de conteúdos a partir de R$30,00.

A negociação toda é feita através de sua rede social, o que possibilitou o aumento das vendas durante o período da pandemia. “Ultimamente eles estão bem mais comunicativos, sempre há mais diálogos, e, às vezes, nem é sobre o conteúdo em si. Algumas vezes é sobre a vida mesmo. Na maioria das vezes eles compram os conteúdos também para terem uma desculpa para conversar e receber um pouco de atenção” — pontua.
O Only Fans é uma empresa do Reino Unido, fundada em 2016. De acordo com a reportagem vinculada na Revista Exame, a procura pela plataforma tem sido intensificada como forma de obtenção de renda. Ainda de acordo com a reportagem, o site possuía, até dezembro de 2020, mais de 90 milhões de usuários pelo mundo, enquanto em 2019, estava com cerca de 120 mil. Na internet é possível encontrar diversos materiais contando como produzir conteúdo erótico para comércio na internet, serviço que tem crescido, também, durante a pandemia.
Falando sobre os negócios em plataformas virtuais, o professor Dr. Lucas da Luz recorda: “Algumas vantagens deste mercado virtual é a questão da instantaneidade, do custo, e claro, para o consumidor, de poder pesquisar mais produtos, em diferentes ambientes em muito menos tempo. Há mais comodidade, e também mais segurança de não precisar se expor aos locais, saindo com compras. São diversos os fatores positivos desta abordagem”.
A internet é uma ferramenta presente também na empresa Baunilha e Mel, de Sapiranga. Gerenciada pela gastróloga Marina Ceccato, a confeitaria está presente no IFood, além de trabalhar o marketing da empresa através do Instagram. Marina conta que é cansativo lidar com a internet, justamente pela necessidade de estar sempre movimentando as redes sociais para gerar engajamento: “O Instagram é uma ótima ferramenta, mas se a gente souber como usufruir dele. Recentemente eu participei de uma mentoria sobre marketing digital, focado nela, que melhorou muito minha relação com a plataforma”. A confeiteira comenta ainda sobre o processo de criação de conteúdo para a rede social: “O marketing da empresa é quase que como o meu terceiro emprego, porque demanda muito da minha energia. Porém, não posso dizer que o Instagram não me ajudou a crescer no meu ramo e conseguir um espaço no mercado”, finaliza.
“Como uma plataforma custa muito menos do que um estabelecimento físico, há quase uma concorrência desleal entre o online e o presencial. Em muitos casos, o preço do produto online é mais barato que o mesmo produto, na mesma loja, só que física, justamente pelo custo operacional de manter aberto um negócio presencial” — Prof. Dr. Lucas Henrique da Luz.
O mercado de trabalho para as mulheres, embora esteja crescendo, ainda é muito inferior em diversos aspectos. Menos oportunidades, preconceitos e salários menores são alguns dos problemas enfrentados pelas mulheres, que acabam, muitas vezes, vendo no empreendedorismo a oportunidade de garantir uma renda. “Assim como é no trabalho celetista, nas organizações, as mulheres estão ganhando espaço, mas ainda com menos possibilidades e menores salários. Isso reflete, também, nos relatórios sobre empreendedorismo, mostrando uma dificuldade maior para as mulheres podendo acessar crédito, exigindo delas mais garantias, por exemplo”, comenta o Prof. Dr. Lucas Henrique da Luz.

Já para a confeiteira Marina Ceccato, da Baunilha e Mel, que concilia seu negócio com um emprego regular na empresa de tecnologia de seu pai, Agilsoft, a organização é fundamental. “Tento manter uma rotina. Faço compras quando saio da empresa para não precisar sair à tarde e ter mais tempo para produzir. Basicamente, minha semana se resume a: segunda-feira rever estoque, fazer compras e planejar os doces da semana; terça-feira é para produção; já quarta, quinta e sexta-feira é produção extra (caso algo acabe ou tenha alguma encomenda específica). No meio disso tudo eu faço testes de produtos novos, faço fotos, produzo conteúdo, faço posts, etc.”
Com experiência como confeiteira em padaria, Marina fala que a principal diferença entre ser funcionária e dona do próprio negócio, são as preocupações com todo o negócio: “Quando se é funcionária, a gente não precisa se preocupar com tudo. A gente cuida da nossa parte e da nossa função no local de trabalho, não tendo tanta preocupação com o que não é do teu alcance. Agora, quando a empresa é tua, a preocupação com tudo o que envolve a empresa é constante. Eu preciso cuidar do financeiro, fazer a precificação, cuidar dos impostos, fazer compras para repor estoque, fazer os produtos, limpar o ambiente de trabalho, falar com os clientes, criar conteúdo na internet… e tem aquela coisa: Se tu não faz, ninguém vai fazer”.
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