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Garotas de programa e o convívio com o medo constante

  • Foto do escritor: Leonardo Oberherr
    Leonardo Oberherr
  • 21 de set. de 2021
  • 4 min de leitura

Machismo, assédio e, agora, a Covid-19. A insegurança de quem trabalha sem distanciamento

Texto publicado na Beta Redação Unisinos. Disponível clicando aqui.

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Profissionais do sexo relatam que a Covid-19 é "só mais uma doença" que gera preocupação. (Foto: Maru Lombardo/Unsplash)

Insegurança e medo são as sensações constantes desde o início da pandemia do novo coronavírus. Mas esses sentimentos estão presentes no cotidiano de algumas profissões há muito tempo. Sequestro, assédio, violência física e mental são alguns dos temores das garotas de programa. Agora, sem possibilidade de haver um distanciamento e isolamento social, a profissão traz um risco a mais: contrair a Covid-19.

Ainda assim, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo site “Paradise Girls”, que reúne anúncios de garotas de programa, houve um crescimento de 85% no número de mulheres cadastradas na plataforma durante o período da pandemia.

Esta realidade é comentada pela advogada Flora Bettio, que lembra que neste período pandêmico, muitas mulheres passaram a trabalhar com prostituição: “Com a pandemia, desempregadas e sem alternativas para seu sustento e de seus filhos, muitas mulheres tiveram que se prostituir para conseguirem se manter nestes tempos difíceis”.

O contexto mencionado por Bettio ecoa nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged): só no Rio Grande do Sul foram extintos 22,1 mil postos de emprego formal. E de acordo com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, o estado terminou 2020 com uma diminuição de 2,15% no número de empregos formais, representando aproximadamente 23 mil empregos a menos que em comparação com 2019.


O medo da Covid-19

Uma das medidas que mais são adotadas para evitar o contágio da Covid-19 é o isolamento e distanciamento social. Mas, como seguir com a profissão de garota de programa, se isso envolve ter encontros mais próximos com outras pessoas? A acompanhante Mel* conta que o processo, para ela, é se distanciar ao máximo de toda família: “É minha profissão. Assim como muitas pessoas precisam enfrentar o vírus para trabalhar, eu também não tenho outra opção. O que posso fazer é ficar distante de meus familiares mais próximos. Hoje moro sozinha, com meus dois gatos, e só. Evito contato com meus pais e com outras pessoas que não sejam meus clientes. Vou pouco ao mercado, e a única atividade que faço é a academia. Nisso até que não mudou muito. Durante o dia eu viajava, ia para os encontros, me exercitava para manter o corpo, e consumia muito os serviços de séries e filmes”.

Mel é considerada uma “acompanhante de luxo”. Diferente de outras profissionais do sexo, ela costuma cobrar mais pela sua presença do que necessariamente pelo sexo: “Eu viajo muito para Santa Catarina e São Paulo, tenho diversos clientes por lá, e acabo tendo uma vida bem agitada. Muitas vezes acabo nem fazendo sexo e, sim, conversando, fazendo companhia. É até engraçado: minha profissão é ser paparicada e tratada como objeto”. Questionada, a acompanhante reflete sobre a objetificação: “A mulher pode e deve fazer o que quiser. Minha profissão é manter um belo corpo e ser uma acompanhante. Ganho presentes e, de quebra, faço sexo. Se os caras querem me pagar por isso, há um preço que eu defino”.

Segundo a legislação brasileira, o ato de prostituir-se, desde que seja uma pessoa maior de idade, não é ilegal. A ilegalidade está em promover a manutenção de estabelecimento em que ocorra a exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro e mediação direta do proprietário ou gerente.

“No Brasil a prostituição não é considerada crime, inclusive é reconhecida pelo Ministério do Trabalho. É crime quando, na casa de prostituição, a pessoa é explorada sexualmente, e/ou escravizada, sendo imposta a prática sexual sem que ela queira”, comenta a advogada Flora Bettio. O Ministério do Trabalho define, através da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o profissional do sexo como “garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, trabalhador do sexo”.

A situação de Jessy* não é muito diferente da de Mel . A profissional conta que também tem muito medo da Covid-19, mas que faz exames periódicos, desde que começou na profissão, e entende que “é só mais uma doença que me assombra”. Já Luna* conta sua experiência ao ter contraído o vírus SARS-CoV-2 em agosto do ano passado. “Foi terrível. Me isolei de todo mundo. Felizmente, ninguém mais que eu conhecia pegou naquele momento, o que me tranquiliza. É arriscado demais, mas entre sair com uma pessoa por dia ou andar de transporte público, trabalhar com mais gente na indústria, com certeza a minha profissão ainda parece mais segura.”

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) divulgou uma cartilha com dicas para as profissionais do sexo seguirem enquanto trabalham em meio à pandemia. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) também propôs uma apresentação com dicas de prevenção e formas de como seguir trabalhando durante o período. Em 2002, ano em que a profissão foi regulamentada, o Ministério da Saúde divulgou um documento com informações sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST’s).

Estas publicações se mostram muito relevantes, especialmente diante de dados como os do estudo “Características de população de profissionais do sexo e sua associação com presença de doença sexualmente transmissível”, que contou com uma pesquisa com profissionais do sexo de Botucatu/SP. A pesquisa revelou que 74,6% das profissionais com até 26 anos possuíam uma IST.


*Os nomes das fontes são os mesmos utilizados profissionalmente.

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