12 homens, uma sentença e muita confusão entre argumentação e opinião
- Leonardo Oberherr
- 25 de set. de 2021
- 6 min de leitura
Texto escrito em 2021 para a disciplina de Jornalismo Opinativo.

Em que pese o fato da abordagem a seguir ter sido construída após observação da versão de 1997 do filme roteirizado por Reginald Rose, percebi uma determinada preocupação em abordar a pluralidade. O filme é pragmático, mas bom. Desde o início você entende o rumo que o filme terá, mas, a tensão envolvida e até mesmo os debates acalorados te prendem de modo que não é perceptível o passar de mais de 100 minutos. Sinto que antes de falar do roteiro e suas percepções sociais, é importante abordar o contexto e até mesmo a técnica do filme.
Em cenografia, houveram poucas aplicações. A maior parte do filme se passa em uma sala e um banheiro. E para isso chamar o foco do público, somente com um roteiro fenomenal. O elenco traz nomes consagrados do cinema e televisão - muitos tendo o ápice mais tarde, como é o caso de William L. Petersen, de CSI, Armin Müller-Stahl de Anjos e Demônios e James Gandolfini, da Família Soprano mas também com atores que já haviam contracenado em grandes obras, como Edward James Olmos, de Kojak e Miami Vice, além de Tony Danza de Who’s the Boss. O júri, composto por 12 homens, atrai uma grande representatividade social, com negros, hispânicos, homens brancos conscientes, homens brancos ignorantes e arrogantes, um negro preconceituoso… Quer dizer, o filme traz para um microuniverso e em determinada condição de pressão, aquilo que a comunidade é: desenvolvida de pluralidades.
Agora, sobre o roteiro… aaah o roteiro. Diálogos muito bem desenvolvidos que contaram com ótima atuação dos envolvidos. Sem isso, o filme não seria atraente, pois, no início você já entende a trama do filme. Nem sei se posso considerar como spoiler, mas, a trama do filme é o processo de convencimento que um dos jurados vive para demonstrar as inconsistências no caso de assassinato de um pai de família em que o acusado é seu filho, de 18 anos. O filme é sobre isso.
Embora tenhamos ótimos personagens, é verdade dizer que a estrela do filme seja o roteiro, especialmente pelos argumentos construídos através dos jurados. Há muitos pontos interessantes.
Logo no início da história percebemos o poder de como a opinião alheia, sobretudo quando em maioria, atravessa nossos próprios pensamentos, criando um efeito de manada. Este sentimento de pertencimento é fundamental para todos, e consequentemente buscamos tais ambientes. No filme, podemos perceber o retrato quando, no início dos trabalhos, onze dos doze votantes julgam o garoto como culpado, mas, quando confrontados de seus motivos, não há argumento. Muitos inclusive se abstém de tecer seus comentários sobre o voto. Entendem que dizer “todo mundo viu, todo mundo sabe” é argumento. Tiram da sua responsabilidade individual o poder de decisão, transformando isso em algo coletivo. É um sentimento de “todo mundo aqui viu o mesmo que eu, por isso, concordamos. E se você não viu, o errado é você”. É um sentimento perigoso e que gera, inevitavelmente, decisões questionáveis.
Precisamos entender o poder do argumento e da retórica. Não somente neste filme, mas no dia a dia. Argumentos não ganham força quando gritados, esperneados, e nem perdem força quando sussurrados. O argumento é factual. Mas, o que, afinal, é argumento? Muitos confundem-no com opinião, e acabam gerando conflitos desnecessários.
De acordo com o Priberam, argumento é o “raciocínio de que se tira consequência”. O argumento é a arma dos intelectuais. Confesso que a frase anterior pode ter sido ouvida e/ou lida anteriormente, e não sei a quem atribuí-la. Mas, se ninguém disse, aceito a congratulação. O forte fisicamente usa sua força como poder. O homem com dinheiro, usa-o como super-poder para conseguir o que quer, demonstrando sua força através dele. Os raivosos usam de sua fúria para arquitetar sua predominância através do medo do outro perante o “adversário”. O argumento, porém, é constituído pelos e para os intelectualmente fortes. Na Grécia antiga, por exemplo, os cidadãos exerciam sua função pública como tal através de discussões e debates argumentativos na Pólis. Talvez por isso Roma tenha sido notabilizada pelos grandes exércitos, afinal, o Coliseu era palco de muita violência, enquanto a Pólis, na Grécia, era berço de diversos pensadores e filósofos. Cada um com seus derivados representantes na história do mundo.
Para explicar melhor a diferença entre opinião e argumento, vou me aventurar numa comparação que uso determinado objeto e costumo usar para tudo: Pizza. É possível fazer uma relação entre opinião e uma afirmação, enquanto o argumento é a justificativa para tal afirmação. No caso da pizza, eu posso dizer: “pizza é o alimento mais perfeito que existe''. Isso é opinião, é pessoal. Outra pessoa vai discordar, vai eleger outro alimento, ou vai concordar. Mas o que me faz dizer tal afirmação? Bem, o meu argumento é “a pizza, no geral, alia sabor, preferências culinárias e todos os macronutrientes que o corpo precisa. É possível fazer pizza doce, salgada, mista, com carne, com chocolates, com vegetais, com qualquer coisa. Nenhum outro alimento atrai esta gama de variedade, e, para minha pessoa, isso é o mais importante para eleger o alimento mais incrível do mundo”. Você pode concordar ou não com minha opinião, mas é inevitável desacreditar do meu argumento, afinal, a pizza é sim saborosa, e feita com qualquer recheio. Isso é um fato. Porém, este fato, para mim, é o que faz dela ser “o alimento mais perfeito que existe”. Outra pessoa pode dizer que o leite materno é o alimento mais perfeito que existe, sob a premissa das vitaminas e a importância para um recém nascido. O argumento é consistente, irrefutável, mas, para a minha opinião pessoal, que leva em consideração o sabor do alimento em grande valia, o leite materno não é o “alimento mais perfeito que existe”. Retomo: Opinião é pessoal. Argumento é um objeto de discurso que constrói uma tese, além de, claro, construir a antítese e a síntese.
Até mesmo no exemplo da pizza, é possível notar que há uma carga pessoal embutida. Eu não afirmaria nada que não tivesse experimentado. Mas essa vivência torna nossa opinião uma manifestação estabelecida corriqueira e viciadamente. Não existe nada isento. Nada é isento. Nem no jornalismo, nem no confessionário da igreja, nem no júri. Isso é recorrente no filme 12 homens e uma sentença. Muitos argumentos são baseados em achismos, preconceitos, e o mais forte deles, o do último homem a mudar o voto de “culpado” para “inocente”, carregava esta mágoa por conta de uma desavença em sua vida pessoal. Em determinado ponto do filme ele fala da relação com o filho e revelou ter agredido-o muitas vezes. Seu filho, então, saiu de casa e não falou mais com o pai. Pois o homem colocava-se no lugar do pai esfaqueado e chegou a comparar o assassinato, ocasionado por golpes de uma faca, com facadas figuradas em seu própro peito, feitas pelo seu filho por tê-lo abandonado. Para ele, o filho e acusado (que também apanhava da vítima) com certeza era o culpado pela morte de seu pai.
As experiências pessoais e o meio influenciam nas tomadas de nossas decisões. Não à toa, como disse, Roma - do Coliseu - tinha ótimos exércitos e a Grécia - da Pólis - era reconhecida pelos pensadores. Trata-se da influência do meio para a perpetuação do status quo. Uma pessoa que frequentava a Pólis pouco provavelmente teria tendências violentas, e, os visitantes do Coliseu em dias de batalha pouco provavelmente escreveriam muitos livros de filosofia. Trazendo para a modernidade, é pouco provável um jornalista que assista futebol a vida toda não queira trabalhar com jornalismo esportivo.
É muito mais fácil e cômodo pensar como a maioria. Existe mais aceitação, existe mais amor, existe menos solidão. Mas isso também gera o efeito da submissão. Uma das frases que mais me chamaram a atenção foi quando, no banheiro, dois jurados falam sobre as suposições um do outro, e um dos jurados responde com “Não faço suposições, sou apenas um trabalhador. Deixo para que meu chefe faça suposições”. A suposição é fundamental para a construção de uma base argumentativa. E quem não supõe nada, acaba por aceitar as explicações alheias. Não há discussão, não há contestação.
Sempre devemos questionar e cogitar a hipótese de que nem mesmo o mais óbvio é o correto. A verdade existe mas é construída através de uma série de fatores. Logo, é fundamental entender que devemos questionar tudo, inclusive o óbvio.
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