A verdade corresponde aos diversos lados, por Leonardo Oberherr
- Leonardo Oberherr
- 25 de set. de 2021
- 4 min de leitura
Texto escrito em 2021 para a disciplina de Jornalismo Opinativo.

Desde cedo somos estimulados a fazer escolhas, viver nossas experiências com atenção e aprendizado. Erro ou acerto. Um bebê ao provar o gosto de um rabanete, provavelmente vai detestar. Logo, associa o sabor a algo ruim. Ao contrário, ao comer uma bolacha recheada, rica em açúcar, certamente vai sentir prazer e interpretar que aquilo é bom. A vida é muito mais que essa binariedade. Há muito entre os dois opostos, o que é bom no ponto de vista palatável, é péssimo no ponto de vista nutricional, e o contrário é verdadeiro no exemplo citado há pouco com rabanetes e bolachas. Taxar algo como um extremo é irresponsável. Há um contexto que deve(ria) ser sempre considerado nas horas das avaliações.
Me considero fã de cinema, e talvez por isso trarei aqui duas passagens de dois dos meus filmes prediletos para encorpar melhor minha explanação. O primeiro, em Donnie Darko (2001), o personagem recebe de sua professora que a vida se resume ao “amor” ou ao “medo”. Que esses dois sentimentos são opostos e são os que motivam a vida humana. Não precisamos analisar muito para perceber que depende do ponto de vista. De modo arcaico, sim, as pessoas agem conforme um desses dois sentimentos. Mas, há quem interprete de maneiras diferentes os sentimentos da vida. A passagem do outro filme, eu trago mais adiante no texto. Neste ponto, reflita: O quê, na vida, resume-se ao “sim” ou “não”, de modo absoluto? Nada pode ser tirado do contexto e simplificado dessa forma.
Esse preâmbulo todo serviu para mostrar que tudo depende do ponto de vista, e do contexto. Logo, não há apenas “uma versão” da história. Este é um dos principais medos de Morin no texto: interpretar os fatos. O mesmo fato pode ter versões e visões completamente corretas, dentro de seu próprio contexto. Vejamos o exemplo: Um acidente veicular. Um automóvel passa pelo sinal vermelho e acaba atingindo outro carro, de raspão, na traseira. Temos diversos pontos de vista: Do motorista atingido, ele estava correto, uma vez que o outro quem atravessou o farol em momento inoportuno. No ponto de vista de quem bateu, ele fez o que fez porque estava sendo perseguido pela polícia. Para um espectador aleatório, que não observou o sinal, ele só conseguirá determinar que houve um acidente. Para os policiais que perseguiam o infrator, o acidente poderia servir para que atrasasse os policiais na perseguição. Temos uma vítima, e pelo menos quatro visões diferentes do mesmo acidente. Sejam elas morais ou não, as visões existem. E elas enganam.
Elas são interpretáveis. Por isso, um dos principais pontos do texto que me chamaram atenção foi a seguinte passagem: “...é preciso fazer uma investigação sobre os próprios depoimentos”. Ele ainda cita: “Precisamos desconfiar da única coisa digna de confiança de que dispomos para descrever nossa história e para escrever a História: o testemunho”. E qual o motivo disso? A história tem várias versões, lados, e, principalmente, interpretações. Ainda mais arriscado é quando não presenciamos o fato e dependemos da versão alheia. Aí complica de vez. Uma coisa é você formular uma tese, outra pessoa aparecer com uma antítese, e, então, revelar-se a síntese do fato. Mas quando você depende de que a história seja contada por outros, é muito, mas muito mais difícil acreditar que haja apenas uma versão, que todos os presentes contam - ou contaram.
No jornalismo, essas pessoas são as fontes. Raramente o jornalismo consegue cobrir algumas histórias - sobretudo acidentes e fatalidades - in loco. Deste modo, é necessário recorrer às fontes. Sejam especializadas, factuais, oficiais… O mesmo fato terá diferentes interpretações. No exemplo do acidente, o jornalista precisaria ouvir todas as versões e expô-las ao leitor. Assim, o leitor, através de sua experiência e suas ideologias, chegaria ao entendimento do que aconteceu na sua interpretação. O problema é que, atualmente, na comunicação - especialmente - observamos dois problemas: O primeiro e mais claro, é que não são ouvidas todas as versões. Por diversos motivos, mas, muitas das vezes é por opção e enquadramento determinado pelo próprio jornalista ou empresa de mídia que trabalha. O segundo é que, mesmo quando ouve todas as partes, é o jornalista, através da sua experimentação, quem interpreta os fatos e distribui para seu leitor (entenda-se também ouvinte, espectador…). Ele - o jornalista - toma uma posição que não é dele.
Não é peculiar ao jornalista, isso acontece para todos nós. Todos temos este vício, mas, é dever o jornalista expor o todo, não somente o que ele acha que sabe ou acha que viram.
Aaah, eu havia prometido a passagem de outro filme, não é? Pois então… Ele é do filme Senhor Ninguém (2009). Confesso que não tem muita coisa a ver com o final desse texto, mas, é meu filme predileto e colabora um pouco com a ideia de dualidade. A fala se dá num momento em que Nemo Nobody, enquanto criança, está com uma moeda, encarando dois doces diferentes, mas, o dinheiro dá conta apenas de comprar um. Ela fala o seguinte: “Não podemos voltar. Por isso é difícil fazer escolhas. É preciso fazer a escolha certa. Enquanto não se escolhe, tudo permanece possível”. Como disse, nada tem a ver com o tema, mas é uma frase ótima. Precisava compartilhá-la.
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