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Aliada ou concorrente: Como podemos encarar a realidade dos robôs no jornalismo?

  • Foto do escritor: Leonardo Oberherr
    Leonardo Oberherr
  • 27 de jan. de 2021
  • 5 min de leitura

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É evidente que o aumento de tecnologias na sociedade causa estranheza, debates, e opiniões contrárias e favoráveis ao seu uso. A “novidade-desconhecida” ocasiona esta reação na sociedade nos mais diversos setores. Seja um jogador de futebol não conhecido que chega ao seu time, um novo medicamento com nome complicado, entre outros, podem servir como exemplo sobre a desconfiança das pessoas em sua funcionalidade, afinal, não conhecem o objeto novo. Com as tecnologias, especialmente no jornalismo, não é diferente. Porém, nos dois primeiros exemplos existe uma estatística prévia, estudos que embasam as chances daquele jogador ou medicamento darem errado, ou certo. Uma nova tecnologia no meio jornalístico, algo que jamais teve tamanho acesso, é difícil prever com exatidão a sua eficácia ou necessidade.

Vejamos: assim como os robôs no jornalismo citado no artigo “O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso”, de Silvia Dalben são usados para “o bem”, existem aqueles que são usados para “o mal”. Cito, primeiro, o exemplo do robô Fátima, do Aos Fatos, criado em 2018 para checar a veracidade das informações compartilhadas nas redes sociais, neste caso, o Twitter e o Facebook. Na contramão, existem robôs que disparam, por orientação, notícias falsas nessas redes para serem compartilhadas e disseminadas em prol de uma causa normalmente obscura. Este exemplo dos bons e maus robôs talvez tenha sido o que foi melhor ligado diretamente ao usuário comum das redes sociais. Exigem pouco conhecimento prévio sobre outros assuntos do cotidiano, já que, no caso de Fátima, ela indicava onde o usuário poderia se informar corretamente sobre determinado assunto falso compartilhado. O problema não se forma ao redor da tecnologia, e sim como ela é usada. E este é o motivo de tantos debates nos mais diversos escalões da sociedade científica sobre o uso de tecnologia nuclear, sobre o aprimoramento da Inteligência Artificial, entre outros exemplos que podem ou não ser danosos para humanos, nas mais diversas esferas.

Outro dos exemplos citados, a Rosie, da Operação Serenata de Amor, um robô criado em 2017 a fim de divulgar reembolsos suspeitos por parte de deputados federais que usavam a Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) de forma irregular, possui uma finalidade igualmente importante, mas, que exige mais dos usuários. Ela necessita, pelo menos, que o usuário comum da rede social saiba do que se tratam estes reembolsos, e, por isso, precisa da interpretação de um jornalista - por exemplo - para “re-conhecer” (termo usado por Paulo Freire no artigo escrito por Eduardo Meditsch: “O jornalismo é uma forma de conhecimento? de 1997) a informação, caso contrário, o usuário comum, ignorante no assunto, não entenderá aquilo que ali está registrado. Outro exemplo que necessita desta interpretação é o robô Rui Barbot, do site Jota, que “tem o objetivo de monitorar os processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) todos os dias”.

Como vimos nos três exemplos, os robôs - se bem usados - podem trazer diversos benefícios para a pauta jornalística. Na maioria dos casos eles servem para a análise de big data, poupando tempo dos jornalistas e diminuindo para praticamente zero o risco de interpretações equivocadas dos dados. Contudo, mesmo com tais avanços, o jornalista segue como peça fundamental para a interpretação destes dados, porém, necessitando de melhorias técnicas na sua forma de divulgação. A tecnologia avança, muda, mas o jornalista segue com práticas engessadas. Talvez por isso, na década de 1970, já existia experimentos com robôs usados no meio jornalístico. Eles automatizavam a redação de previsões do tempo e anos depois a tecnologia se popularizou em grandes jornais pelo mundo. Os softwares de Natural Language Generation (NLG) (geração de linguagem natural, em tradução livre) produziam pequenos textos jornalísticos com estruturas repetitivas sobre diversos temas. Neste ponto que podemos - e devemos - criar a coragem de analisar nossos processos de construção noticiosa. Esta criação robótica poderá sim, substituir jornalistas “humanos” em poucos anos. Por conta de um simples motivo: estamos produzindo material de forma igual, todos os dias. Os textos são genéricos, mudam os atores, os números, mas, em suma, é sempre a mesma forma de abordagem. É sempre uma criação com lead respondendo às perguntas importantes: Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Porquê? Essa abordagem maçante possibilita que robôs consigam responder essas perguntas e criar textos iguais aos de jornalistas, sem muito problema. Porém, mudanças na linguagem podem reduzir o risco dessa substituição de humanos por robôs nas redações. Alguns jornais, meios de comunicação já optam por incorporar formas diferentes de abordagem da notícia. Seja com linguagem mais simples, direta e popular, ou pelo uso de materiais visuais mais refinados.

A internet têm sido a grande aliada para tudo isso. Tanto nos avanços tecnológicos, por óbvio, mas por mostrar que o jornalista precisa entender como precisa se comunicar na atualidade. Assumindo o posto de “Sistema Perito” - definido assim pelo sociólogo inglês Anthony Giddens - o jornalismo como um todo possui influência suficiente para transmitir as informações de maneira eficiente ao seu consumidor. Existe uma confiabilidade entre o leitor e seu “perito”, algo primordial para a sustentação deste “Expert System” e a tecnologia é uma das grandes aliadas no processo. Com ela, é possível não só relatar a queda de um avião, por exemplo, mas também simular eventuais causas da queda, mostrar com imagens audiovisuais a queda ou os destroços, e ainda mostrar relatos de sobreviventes. Essa confiabilidade, portanto, não necessita diretamente de posturas rígidas e enquadradas num bolsão de formol, com textos praticamente iguais no último século.

Podemos sim ser jornalistas mais francos, e, principalmente, mais humanos, o que nos diferenciará dos robôs de criação de textos. Essas mudanças já se fazem presentes em programas jornalísticos, não só no esporte, que é, por via de fato, um assunto “mais leve”. Noticiosos como Balanço Geral, apresentado por Samuel Vettori, da Rede Record RS, consegue, assim como outros programas de sua grade regional, abordar as notícias de forma mais simples, literalmente conversando com seu telespectador. Não é uma fórmula nova. Seu antecessor, Alexandre Motta, sabia como ninguém envolver seu público. Mas a manutenção desta linha de apresentação mostra que em uma década, este programa continua sendo uma exceção e um pioneiro nesta forma de abordagem das notícias. Ao ponto de, anos depois de sua estreia na Rede Record com sua forma de apresentação, o Jornal do Almoço, da RBS TV, afiliada à Rede Globo, e concorrente do horário, começou a introduzir mudanças nunca antes feitas, como, por exemplo, apresentadores de pé e interagindo através da internet com seus telespectadores.

É uma vitória do jornalismo estarmos pensando em alternativas de abordagens diferentes das notícias e precisamos continuar avançando sobre esse campo. Caso contrário, será, no futuro, mais barato arcar com a produção de softwares de produção textual e despedir jornalistas. Debray (1993, p.302) diz que o que a TV faz é: “vender um público a publicitários”, e um jornalismo como um todo faz isso também: visa o lucro. Logo, se for mais lucrativo a implementação de robôs-jornalistas, podemos ter certeza que o jornalista perderá seu espaço.


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