Isso ou aquilo, por Leonardo Oberherr
- Leonardo Oberherr
- 25 de set. de 2021
- 7 min de leitura
Texto produzido em 2019 para a disciplina de Jornalismo e a História do Brasil

É simples. Quer dizer, não muito. Integrar a mídia no Brasil é uma das tarefas mais cruéis que pode existir. “Golpista”, “mentirosa”, “manipuladora”... São muitos os adjetivos para os grupos de mídia no país. E isso ocorre ao juntar pessoas ignorantes com um preconceito já estabelecido na raíz do cidadão: desacreditar da imprensa. “A Folha é isso”, “a Globo é aquilo”, e no fundo, nenhum acusador entende de verdade o papel fundamental da imprensa num país democrático. Ao jornalismo, cabe a combatividade diária, desde sempre, de informar as pessoas, mesmo que elas não queiram acreditar naquilo.
Desde muito cedo - mais precisamente durante o período imperial - a imprensa brasileira era sufocada. A verdadeira mídia, aquela questionadora, tinha de ser feita de maneira obscura, distante da Lei, fora de alcance do Estado. Ela era insalubre e às sombras do Poder. Os que não escolhiam ler o mensalista e caro Correio Brasiliense, criado por Hipólito José da Costa, poderia buscar na “concorrente” Gazeta do Rio de Janeiro, uma opção mais periódica, barata, e forjada para ser “informado”.
Ora, ou se escolhia um jornal pago pelo Governo para ler apenas as coisas autorizadas pela Junta, ou um clandestino - que era muito mais doutrinário do que noticioso. Não existia liberdade para dar notícias. Não existia a imprensa que conhecemos hoje. Porém, anos se passaram e a população continua a duvidar dos fatos noticiados pelos mais diversos meios jornalísticos. Mais tarde, na Ditadura Militar, o cenário imposto pela Monarquia no início do século XIX se repetiria, mas já já falarei mais sobre ela. Vou tentar seguir uma linha temporal.
Antes de voltar a falar sobre a imprensa, vamos comentar o outro agente da equação: a sociedade. Ela sempre foi ignorante. A brasileira, mais ainda. Diferentemente da américa espanhola, que utilizava a leitura como meio de doutrinar uma comunidade culturalmente estabelecida, o Império Português não incentivava a abertura de escolas no Brasil. Tanto que durante o período monárquico, existia uma Universidade apenas em todo o reino português: a Universidade de Lisboa. Enfim, bibliotecas só foram aparecer no Brasil, de forma mais abrangente, em Colégios e Mosteiros até o final do século XVIII. Passado este período, pequenas bibliotecas particulares eram criadas por aqueles que estudavam no Velho Continente, e traziam -- de forma clandestina - livros para o Brasil, pois os mesmos, eram censurados.
O hábito da leitura nunca foi algo do brasileiro. Por isso o jornal impresso nunca fez tanto sucesso no país, ao ponto de que Laurence Hallewell comentasse que “o Brasil é, em todos os níveis, uma sociedade essencialmente oral”. Com a Revolução do Porto, em 1820, o Correio Brasiliense teve mais condições de desembarcar no país, considerando que, desde 1809, quando foi censurado pelo Governo a primeira vez, o jornal de Hipólito enfrentava diversas complicações e restrições alfandegárias, o que impossibilitava muito a chegada de seus jornais aos leitores brasileiros.
A política sempre esteve envolvida no meio jornalístico. Como vimos, os dois primeiros jornais tinham como objetivo doutrinar o cidadão brasileiro contra o ideal monárquico (o Correio Brasiliense) ou apenas fazer propaganda positiva do Governo (a Gazeta do Rio de Janeiro). Graças ao analfabetismo da população, poucas eram as pessoas que conseguiriam interpretar - de fato - as notícias ali transcritas. Isso, considerando as pessoas que conseguiam ter acesso aos jornais. A baixa densidade demográfica, atrelada à desigualdade da distribuição de renda, fazia com que diversas pessoas sequer chegassem perto de um jornal. Bem, ou mal, tinham coisas mais importantes para se fazer com seu pouco dinheiro.
Com poucas pessoas no país e sem condições de prover mão de obra para suprir as necessidades dos setores agrícola e mineral, Portugal recorreu ao trabalho escravo. Primeiro com índios nativos, depois com negros africanos, e só depois, a imigração surgiu como alternativa, já que a entrada de imigrantes no país era proibida até o século XVII. Em nenhum destes grupos, a leitura era algo presente. A maioria massiva de pessoas que chegaram ao Brasil eram analfabetas também, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, onde os imigrantes vinham de países com altos índices de alfabetização e seguiram com suas características no território estadunidense.
O Brasil foi um país com uma população rural até a segunda metade do século XX, quando a densidade demográfica nas regiões urbanas passaram a ser maiores. Esta distância entre as zonas urbanas e rurais também dificultavam a chegada de jornais e livros para incentivar a leitura de seus moradores.
Foi ao final do século XIX que jornais diários passaram a integrar - com o perdão da piada - o dia a dia das pessoas. Este fenômeno começou justamente para que os imigrantes ficassem melhor informados. Ou, pelo menos, mais informados. Como a taxa de analfabetismo é grande ainda neste período, os repórteres destes jornais também não eram tão bons, o que impossibilitava materiais mais interessantes ou melhor produzidos. Todavia, saímos de um período chave - a imprensa durante a Monarquia - para outros dois momentos importantes: a imprensa voltada aos imigrantes, e, posteriormente, a imprensa na Era Vargas. Aos imigrantes, restavam os jornais diários, tudo bem. Mas ao brasileiro nativo, pensemos: saímos de uma disputa entre um jornal bancado pela Monarquia e outro jornal que era considerado doutrinário. Os dois, de certa forma, mais tentavam “enganar” o povo do que tratar com clareza os pontos positivos e negativos daquilo que estava acontecendo. Ambos queriam “puxar a sardinha para o seu lado”. Dois lados da moeda. “Isso” ou “aquilo”. Eram dois opostos que não concordavam. Depois, jornais malfeitos por redações sem repórteres de qualidade. Não era atrativo, talvez, até impreciso. Por quê não “incorretos”? É difícil dizer para um recém alfabetizado que aquilo que ele está lendo é verdade, quando, às vezes, erros eram cometidos. A imprensa perdia sua confiabilidade. Quem garantiria que os erros não eram propositais? Começaram a duvidar, aí, da imprensa.
Chegamos à Era Vargas. Graças à Revolução Industrial e a instauração de Leis Trabalhistas (essas, em 1930), a mão de obra passou a ser cada vez mais qualificada. Isso exigiu a alfabetização das pessoas para que elas entendessem e aprendessem as novas funções. Por tabela, isso fez com que o número de leitores de jornal disparasse ao redor do mundo, e não foi diferente no Brasil.Getúlio Vargas foi um dos primeiros a dar mais importância para a educação de base. Até então, existiam muitas universidades, mas com alunos sem uma boa base, professores ruins e mal remunerados… era um caos. A educação, inclusive, pulava de um Ministério para outro, até que Vargas criou o Ministério da Educação e da Saúde Pública. Com a mudança, o currículo foi modernizado, e o ensino primário e secundário passaram a ter mais investimento. A partir da formação de jovens alfabetizados, os serviços que necessitavam mão de obra qualificada, passava a ter trabalhadores qualificados e conscientes. Para manterem-se informados, estas pessoas consumiam cada vez mais materiais jornalísticos. A imprensa, no entanto, ainda era submetida ao Presidente Getúlio. Inclusive, com o advento da mídia oral - o rádio necessariamente - fez o Governo criar em 1934 o Programa Nacional, que em 1938 foi rebatizado para Hora do Brasil e servia para levar informações do governo direto aos ouvintes.
Entre os anos da Era Vargas e o Golpe Militar, é importante destacar a chegada de novos atores para o jornalismo brasileiro. Os principais deles se dão nos anos 50, com a chegada do Lead e da modernização gráfica, inspirada nas tendências estadunidenses. Além disso, foi durante o século XX que os assuntos abordados passam por reformulações. Antes o jornalismo era basicamente político, pouco interessante ao cidadão “comum”, que acabava não se interessando pelo material. Neste período a imprensa passa a realizar serviços e informar sobre escolas, segurança, polícia e a ter publicidade.
Com o Golpe Militar de 1964, a imprensa passou a ser totalmente censurada. O Ato institucional 5, firmado em 1968, tratava de punir diretamente aqueles que se posicionavam contra as ideias do Governo Ditatorial. Foi neste período que nasceu uma das maiores emissoras de televisão do mundo: a Rede Globo. Diretamente financiada pela Ditadura Militar, que precisava de uma emissora forte para espalhar seus ideais, investiu em estruturas para que essa nova emissora pudesse chegar em todos os cantos do país. Além de instalações físicas para que o sinal chegasse de norte a sul, o governo apoiou a compra de pacotes gráficos e futuristas inspirados nas redes televisivas estadunidenses, um marco que fez com que a Globo logo chegasse ao topo da audiência. Lembra-se da Hora do Brasil? Em 1971, durante o governo Médici, o programa radiofônico foi novamente rebatizado para “A Voz do Brasil”, e contribuiu para que o marketing positivista do governo sobre “o milagre econômico” ganhasse cada vez mais forma. O programa existe até hoje.
Atualmente ainda temos uma imprensa que se curva, querendo ou não, ao governo. Emissoras que apoiam o atual presidente, da mesma forma que outras emissoras apoiavam os governos anteriores. Creio que isso leve ao povo uma mensagem de que a mídia não é confiável, pois ela é submetida aos pagamentos da publicidade governamental, logo, “são vendidas”, e por isso não critica o governo. Exemplo próximo é de um jornal aqui de Sapiranga, onde um vereador preso por porte ilegal de arma em 2019, perdeu seu mandato por falta de decoro parlamentar e vem à público, agora, denunciar um suposto esquema de fraude na compra de combustíveis da Prefeitura, no ano de 2013. Prefeitura essa que inclusive está sendo comandada pelo mesmo partido que ele integrava. Ele cita o pagamento de publicidade da Prefeitura ao jornal local como forma desse jornal não noticiar as coisas ruins da cidade. Infelizmente, algumas pessoas acreditaram nessa história. Eu trabalhei no referido jornal e sou testemunha presencial de que não “é bem assim”. O jornal era negativo quando tinha de ser. Existe um abismo gigantesco entre ser pautado pelo Governo e/ou censurado por ele, e ser pago para fazer propaganda de eventos. De toda forma, a população que viveu sob anos de desconfiança, não sabe identificar estas diferenças.
Infelizmente, para a imprensa, o seu histórico ligado ao Governo e suas polarizações referentes ao partidarismo fazem com que a sociedade - ainda jovem, no sentido de estar organizada há pouco tempo - desconfie e desacredite daquilo que ela fala, e toma como verdade, qualquer coisa que não seja “da imprensa”.
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