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Quando o jornalista não é tão perito quanto deveria ser

  • Foto do escritor: Leonardo Oberherr
    Leonardo Oberherr
  • 27 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

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São tantas pedaladas históricas, que o Brasil parece mesmo gostar de bicicleta. É curioso como a sociedade aborda alguns assuntos tão pertinentes de sua vida, e o jornalismo, reflexo de uma sociedade doente, faz mais do mesmo. Enquanto sistema perito, teoria descrita por Anthony Giddens, o jornalismo detém em sua atividade, o poder de “saber de tudo” - ou de pelo menos achar que sabe. Mesmo sem conhecimento sobre determinados assuntos, sempre há quem dê sua visão, seu depoimento, suas resoluções, mesmo sem ter, de fato, condições.

Talvez as mais importantes pedaladas do país não foram dentro do campo, da academia, ou necessariamente numa bicicleta. Foi no âmbito político-econômico. O ato que fez Dilma, até então Presidente, sofrer um impeachment, é algo até hoje pouco conhecido do público. Honestamente, até mesmo eu para escrever este texto tive que buscar mais informações sobre o que eram as tais pedaladas fiscais, pois, como imaginamos, a maioria do público apenas queria tirá-la do poder, não importasse como. Encontraram nas tais pedaladas um “motivo” plausível, ao menos, nos textos da Lei.

A imprensa, tendenciosa, mesmo que subconscientemente, corroborou para a queda de Dilma, com matérias contra o governo, sem, de fato, informar o que eram as pedaladas e que, embora erradas, não seriam motivo para um impeachment, que a motivação era outra.

Mais recentemente, Robinho (famoso pelas pedaladas no futebol) teve seu caso de estupro exposto novamente pela própria imprensa após o anúncio do Santos de contratar o jogador. Embora alguns imprestáveis tenham defendido ou dado, pelo menos, o poder de duvidar das acusações feitas contra Robinho, sendo que ele já está condenado na Itália e tem declarações dele que confirmam o estupro, a imprensa desempenhou um papel fundamental para a quebra do acordo entre ele o clube. Trouxeram informações e se debruçaram sobre o caso, de forma que pudesse mostrar ao máximo às pessoas quem e, o quê Robinho havia feito, de fato. Sei que o que vou dizer a seguir, dentro dos dois exemplos, pode parecer errado, mas, juro, já explico. Quando é para condenar, a imprensa desempenha muito bem o seu papel.

Não estou defendendo Robinho, longe disso, por mim, tem mais que apodrecer e bem longe do Brasil. Mas reparemos que para explicar o que eram as pedaladas de Dilma, ninguém se empenhou da mesma forma. Os resultados não foram os mesmos. E aqui entre nós, o jornalismo entende alguma coisa de jurisdição? Seja no caso Dilma, seja no caso Robinho, o tema jurídico se faz presente, mas, apenas para um destes caso houve acompanhamento correto e exposição plural dos fatos. Mesmo condenado por estupro, Robinho foi ouvido e teve chance de se explicar - felizmente, acabou se enrolando mais ainda, colaborando com a própria queda - diate da sociedade. Dilma teve o mesmo tratamento? Foi exposto que outros presidentes já haviam feito a mesma prática das pedaladas, sem consequência? Não lembro.

Entramos portanto na ideia de como os gatekeepers abordaram o assunto. No Caso Robinho houve dezenas de matérias expondo a crueldade e a ignorância que este “cidadão de bem” cometeu e exerceu. Já no Mainstream, Dilma teve pouca ou quase nenhuma voz. Seja pela sede de condenação da Presidente, seja por puro e completo machismo, mesmo. Nunca saberemos.

Em determinado momento do encontro da última quarta-feira, a presidente da FENAJ, Maria José Braga reflete que é preciso, de fato, que haja uma condenação pública, independentemente se o autor do crime é mais ou menos famoso. E em ambos exemplos que trouxe, a condenação pública existiu. Já ao abordar o tema da Vaza Jato, o presidente da AJURIS, Orlando Faccini Neto comentou e defendeu o direito do jornalista de divulgar informações mesmo que estas sejam sigilosas, em segredo de justiça, desde que o agente infrator do crime não seja o jornalista em si. Dá-se o exemplo do Caso the Intercept com a Vaza Jato. Alguém hackeou os celulares de Moro e companhia, o que é uma ilegalidade, mas, o Intercept, enquanto veículo de imprensa, tem o dever de expor a verdade, protegido inclusive por lei para não revelar a fonte.

A imprensa como ferramenta de estrutura social, como “Quarto Poder” do país, precisa - urgentemente - identificar um método justo de como abordar os assuntos cotidianos com mais precisão e pluralidade. Inclusive, talvez esse seja um dos motivos de um jornalismo declaratório cada vez mais presente. Antigamente, jornalistas possuíam muito mais conhecimento sobre temas específicos, seja da economia, do direito, da segurança e até mesmo do esporte. Hoje em dia, porém, por falta de conhecimento específico nas áreas, a utilização de fontes especializadas, definido assim por Stuart Hall, se torna o principal instrumento de informação de matérias complexas. Porém, aí temos um impasse que não vejo saída, a não ser o condicionamento de jornalistas a estudarem diretamente os assuntos por si: Hoje o jornalista precisa de uma fonte especializada para abordar um tema complexo, porém, esta fonte não possui o “super-poder” do jornalista que é o News-Judgement. Ela (a fonte) possui interesses pessoais (conforme conta Gaye Tuchman ao falar da objetividade do jornalista), que exigem do jornalista filtrar o que é informação, e o que é opinião da fonte. Mas como identificar estas duas coisas, em o conhecimento prévio sobre o assunto? É paradoxal, e, muito por isso, caímos sempre no mesmo fundo de poço: somos dependentes de nossas fontes, pois o jornalista, por si, não possui o conhecimento que deveria ter para ser considerado um sistema-perito.


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