Resenha “Cultura da Convergência” de Henry Jenkins
- Leonardo Oberherr
- 27 de jan. de 2021
- 6 min de leitura

As condições transmidiáticas ainda são novidades no mundo comunicacional atual. A sociedade ainda está aprendendo a lidar com um fluxo de informações tão instantâneas e geradas de formas tão diferentes. Ora, temos notícias de países separados por oceanos à um toque no celular! Produzimos e ofertamos cada vez mais conteúdo, num mundo onde, literalmente, todo mundo produz. O celular se tornou a ferramenta mais importante do cotidiano de todo mundo. Além de ligar-se no sentido comunicacional com outras pessoas, seja por ligações, mensagens de texto ou redes sociais, ele serve como objeto de pesquisa - sobretudo na internet - de educação, de informação, além de oportunizar um controle de absolutamente tudo no nosso dia-a-dia. Ainda é uma tecnologia um pouco cara, mas, já existem aparelhos que são ligados ao termostato das casas, acendem luzes, trocam o canal da TV, fazem monitoramento cardíaco, tudo isso em pequenos aparelhos que cabem num bolso de calça.
Neste mundo hiper-produtivo, encontramos na fala de Fred Hitchins, fotógrafo e professor do curso de Fotografia da Universidade de Nova York - e um grande teórico do mundo da fotografia - um senso aplicável em toda cultura de produção em massa que estamos vivendo hoje, graças aos aparelhos de celular: “O desafio atual é entender quais pessoas seriam as organizadoras ou os filtros. Como podemos fazer o ponto de vista desses novos editores ser o mais transparente possível e ter um prestígio equivalente ao dos autores das imagens?”. Neste trecho da entrevista à revista Zum-Zum, do Instituto Moreira Salles, Hitchin quer expressar sua preocupação em um mundo que produz muito, mas, em qualidade e importância questionável. Ele comenta essa necessidade de curadoria, pois há um número gigantesco de fotos sendo produzidas, mas é impossível que todas sejam vistas. Ele usa o exemplo dele próprio. Ao vir para o Rio de Janeiro, alguém deveria selecionar as principais fotos do momento para mostrar a ele, para entender o que está se passando na cidade, pois é impossível que ele veja os milhões de fotos produzidas de uma vez para tomar conhecimento dos fatos.
Para isso, é necessário interpretação factual, e daí, a importância do jornalismo. Cada dia que passa, o jornalista se torna mais refém de vídeos enviados por leitores e espectadores, do que ser, necessariamente, um produtor de conteúdo hard news. Não é raro termos imagens amadoras figurando nos programas jornalísticos de televisão, evitando a necessidade de deslocamento de uma equipe de reportagem para o local do fato, gerando, por óbvio, menos gasto. Nada disso seria possível se não houvesse o usufruto dos aparelhos celulares ou de outras ferramentas que conversam com outras. O celular já envia a foto direto para o computador (assim como algumas câmeras fotográficas fazem o mesmo), que por sua vez encaminha o conteúdo para contatos no meio jornalístico, que veiculam o material em seu periódico ou programa. Tudo numa velocidade absurdamente grande.
Como fora dito por Jenkins no texto abordado: “Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”. Aqui, eu só trago o exemplo dele com referência ao entretenimento, para o mundo jornalístico. O consumidor procura, ao final das contas, uma visão mais próxima da dele. Seja no sentido de materiais audiovisuais com a perspectiva que o leitor teria se presenciasse tal cena, seja no aspecto opinativo do conteúdo abordado (por isso o crescimento de programas cada vez mais sensacionalistas e opinativos).
Outro exemplo de como há a convergência transmidiática nos sistemas atuais, é a interatividade entre os internautas e os programas de televisão. Não só isso, mas como estes internautas podem interferir ou serem afetados pelas ações da outra ponta dessa corda entre usuário comum - mídia. Reality Shows adoram o formato. Em especial aqueles programas populares, que não exigem opinião técnica efetiva: Big Brother Brasil e A Fazenda. São os internautas quem decidem quem fica ou quem sai do programa, além de outras tomadas de decisão. Sem contar o conteúdo exclusivo que é produzido para a internet, além daquilo que é feito para o horário regrado da televisão.
Paralelamente ao exemplo dado pelo texto de Jenkins ao falar de Matrix e suas transmidiações, está também os games no estilo “fantasy” presente no esporte. Quem nunca viu no meio de uma transmissão, após o gol do atacante “x”, o insert na tela e a fala do narrador que o jogador “somou mais oito pontos no Cartola”? Algo semelhante ocorre no fantasy NFL, um game on-line que simula partidas com base nos resultados de campo dos atletas. Assistir futebol ou futebol americano, agora, passa por uma experiência ainda mais próxima e analítica. Os fãs de futebol americano precisam entender que - por exemplo - num confronto entre Baltimore Ravens e Miami Dolphins, Lamar Jackson vai atuar mais em shotgun, formação Spread, por que a defesa adversária joga num 4-3, sem pass rusher e com Cover-2. Logo, Lamar Jackson provavelmente vai acionar mais um slot receiver em rota flat, que, neste caso, deve ser J.K. Dobbins. Falei em outra língua? Pois é isso que um fã de futebol americano e jogador de fantasy NFL precisa (ou deveria) analisar na hora de montar sua equipe e projetar quem deve jogar ou não. Nessas condições, J.K. Dobbins, calouro e pouco acionado como Running Back, tem tudo para ganhar muitas jardas no jogo, e muitos pontos no Fantasy. No Cartola FC as coisas são mais “fáceis” por ter menos variáveis, mas, ainda assim, exige análise. Sabemos que Matheus Henrique é um grande jogador, postulante à Seleção Brasileira, aparece muito no jogo, mas, pela posição dele, e função, ele faz poucos gols, dá poucas assistências para gol e tem mais cartões, faltas cometidas e passes errados do que necessariamente consolidações positivas para o game. Ou seja, É bom ter o Matheus Henrique no meu time da vida real? Sim. No Cartola FC? Não. É uma experiência muito mais analítica e ver esportes nunca foi algo tão próximo dos números.
Estas novas formas de entender, assistir, interagir dentro dos campos de informação, por exemplo, somados ao altíssimo número de produções sendo feitas, levam às relações humanas debates sobre os mais diversos assuntos. Como dito no livro: “O consumo tornou-se um processo coletivo – e é isso o que este livro entende por inteligência coletiva, expressão cunhada pelo ciberteórico francês Pierre Lévy. Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades” Com isso, as redes sociais se tornaram mais um mecanismo de interação entre os consumidores e, porquê não, produtores. Volta e meia vemos as hashtags do Twitter falando sobre algo representativo no consumo diário de conteúdo. São enquetes, sugestões de pauta, debates, as maneiras são das mais diversas.
Também discorrido no livro, cito que: “No mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia” e tal afirmação não poderia ser mais verdadeira. Tudo que é feito, produzido, é disseminado. Às vezes, para um pequeno número de seguidores no Instagram, ou, por vezes para multidões. Mas de toda forma, a produção, o registro, foi feito. Faltam dias e horas no nosso cotidiano para consumir tudo o que gostaríamos. Todos gostaríamos de ler mais livros, assistir mais documentários, filmes, séries e conteúdos de entretenimento no Youtube, escutar podcasts, ler revistas e newsletters… Só que infelizmente não se consegue fazer tudo. Temos que escolher. E é isso que a sociedade talvez ainda não tenha entendido ou aprendido. Não somos infinitos. Temos que gerir nosso tempo com o máximo de precisão para ainda ter o máximo de tempo de entretenimento possível. São situações que estamos dispostos a correr. É impossível dormir oito horas, preparar refeições saudáveis, trabalhar mais oito horas (quando não mais), exercitar-se, participar de aulas, ler livros, escutar podcasts, consumir conteúdos de entretenimento, ler os sites informativos, pegar trânsito nos processos… Isso, sem contar os eventos esporádicos do mês, como sair com os amigos, jogar um futebol, visitar parentes. Nos propusemos a fazer o que dá. E como dá. E a transmídia atua como ajudante e também como prejudicador desse processo. Prejudica, pois ela, por si só, confecciona inúmeros conteúdos através de seus produtores, mas também ajuda, se pensarmos que podemos ouvir um podcast enquanto trabalhamos, ou assistimos uma série enquanto caminhamos numa esteira, em casa, ou podemos ouvir as notícias no rádio à caminho do trabalho.
Ela é uma faca de dois gumes, que, como é recente no nosso cotidianos, ainda não aprendemos a entender completamente suas funcionalidades, como ela pode ser prejudicial ou benfeitora em nossa sociedade. Ainda estamos aprendendo, como em tudo, em toda a vida.
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